segunda-feira, 4 de abril de 2011

Irvênia Prada é um dos maiores nomes da veterinária no Brasil.
Ela é professora emérita da Faculdade de Medicina Vetertinária da USP (FMVZ-USP).

Segue artigo da veterinária sobre puxada de cavalos:

"É lamentável que a população do maravilhoso Estado de Santa Catarina permita que uma minoria de consciência adormecida persista na prática inaceitável de utilização de animais de maneira cruel e desumana, em deprimentes espetáculos chamados de diversão, como a "farra do boi" e agora as "puxadas". Como médica veterinária sei que o esforço físico exagerado, que no caso é imposto aos cavalos nas atividades de "puxadas", pode levar a um quadro de exaustão muscular conhecido tecnicamente como ´rabdomiólise´, que se caracteriza por uma lise do tecido muscular, ou seja, de uma destruição da estrutura muscular, o que resulta metabolicamente em  insuficiência renal e sofrimento orgânico que pode culminar com a morte. Há também nestes casos, sobrecarga das funções cardiovascular e respiratória, com elevação da pressão arterial, alem  de sofrimento mental, o que ocorre pela situação de subjugação a que o animal se acha submetido. O ser humano, de inteligência tão pródiga na aquisição de tantas conquistas científicas e tecnológicas, já teria condições de recorrer à vivência de harmonia com os animais e outros elementos da natureza, o que certamente lhe dignificaria a personalidade. Sabendo também  que o silêncio dos bons representa sempre  um fator de engrandecimento das ações dos irresponsáveis, faço votos de que a população se insurja contra essa prática absolutamente inaceitável por todos os padrões de ética que se possam imaginar."

A seguir uma entrevista com a Dra Irvênia:

A senhora cita que o esforço físico exagerado, que resulta metabolicamente em insuficiência renal e sofrimento orgânico, pode culminar com a morte? O que seria, em uma linguagem mais leiga, esse "sofrimento orgânico"? Nesse caso, a morte do cavalo pode ocorrer a curto ou longo prazo?

R - A rabdomiólise, também conhecida como mioglobinúria paralítica ou azotúria se desenvolve da seguinte maneira: na ocorrência de esforço intenso, como no exercício muscular fatigante, os músculos trabalham em anaerobiose (produção de energia na ausência do oxigênio), com grande produção de ácido lático que causa necrose (destruição) da cápsula (envoltório) das fibras musculares e liberação de mioglobina na corrente sanguínea. A mioglobina se decompõe em componentes tóxicos que ao serem  filtrados pelos rins,  aí causam danos que se caracterizam como necrose renal aguda. Todo esse quadro é acompanhado por dificuldade de locomoção, tremores, sudorese, mal-estar, dores musculares, urina escura, aumento de volume dos músculos, particularmente os dos membros posteriores, que ficam sensíveis á simples palpação e por vezes também aumento da temperatura.  O conjunto desses sintomas é que eu referi como "sofrimento orgânico". Do ponto de vista metabólico, há ainda aumento das taxas de uréia e creatinina no sangue e também de ácido lático, o que causa desequilíbrio na relação ácido-base do plasma sanguíneo, determinando a ocorrência de aumento da frequência cardíaca e da frequência respiratória. A intensidade dos sintomas e a gravidade do quadro clínico está na razão direta do esforço dispendido e pode ser irreversível, levando o animal  a óbito.

- Essas sequelas causadas ao animal são irreversíveis ou ocorrem somente no momento do esforço intenso a que o cavalo é submetido no momento da puxada?

R - Esta afecção é vulgarmente conhecida com "mal da segunda feira", ocorrendo em animais sedentários cujos proprietários residem na cidade e apenas no final de semana utilizam intensamente o cavalo. Os sintomas podem surgir na sequência do esforço, mas de modo geral costumam ser percebidos na manhã seguinte ao exercício.
 
- O cavalo, por si só, não é um animal preparado e com estrutura para suportar esse esforço, justamente por, normalmente, ser utilizado em trabalhos onde faz um esforço contínuo durante todo o dia?

R - Os animais que estejam sedentários  durante um período que antecede o esforço, são mais predispostos à ocorrência da rabdomiólise. Em outras palavras, os animais que são diariamente utilizados em trabalhos, acham-se mais capacitados ao desenvolvimento de um esforço físico "extra", digamos assim.  Mas isso nos leva à seguinte reflexão: será que não basta aos animais servirem ao ser humano em suas lidas? É desejável que seres humanos e animais interajam em harmonia na elaboração de um trabalho, respeitando-se os limites de suas forças e suas condições de bem-estar. Bem diferente é a condição dos espetáculos de "diversão humana" nos quais eles - os animais são submetidos e subjugados a situações que indiscutivelmente lhes causam sofrimento físico e mental. A própria dignidade do ser humano requer uma apressada revisão dessa postura.

Com cordiais cumprimentos,
Irvenia Prada

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